Entrevista com Leonam Guimarães sobre a Organização Marítima de Energia Nuclear

Entrevista com Leonam Guimarães sobre a Organização Marítima de Energia Nuclear

Confira, abaixo, a entrevista com o engenheiro naval e nuclear, assessor da Diretoria Executiva da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul) e associado da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Leonam dos Santos Guimarães, sobre a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO, na sigla em inglês).

Para começar, qual a importância de criar uma entidade como a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO)?

A criação de uma entidade como a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO), em colaboração com a Organização Marítima Internacional (IMO) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), reveste-se de uma importância significativa no panorama energético e ambiental global por várias razões.

Primeiramente, a adoção da energia nuclear no ambiente marítimo representa uma fronteira inovadora para a produção de energia limpa e sustentável. Dada a crescente demanda por fontes de energia que minimizem as emissões de carbono e outros poluentes, a energia nuclear apresenta-se como uma opção promissora, capaz de fornecer uma quantidade significativa de energia sem a emissão direta de gases de efeito estufa. A energia nuclear marítima, em particular, pode oferecer soluções energéticas para regiões isoladas ou para aplicações específicas onde outras fontes de energia renovável podem ser menos viáveis.

Além disso, a criação da NEMO e a sua cooperação com organizações internacionais estabelecidas é crucial para a formulação e implementação de padrões e regulamentos globais. Estes padrões são necessários para assegurar a segurança, a eficiência e a sustentabilidade das operações nucleares no mar, desde a implantação até o desmantelamento. Normas rigorosas são imperativas para proteger o ambiente marinho, prevenir acidentes e garantir a segurança pública, especialmente considerando o potencial de risco associado às tecnologias nucleares.

A colaboração com a IMO e a AIEA também facilita a integração da energia nuclear marítima no sistema energético global, promovendo a sua aceitação e adoção por um espectro mais amplo de stakeholders. Isto é particularmente relevante num contexto em que questões de segurança, ambientais e regulatórias constituem barreiras significativas à adoção de novas tecnologias energéticas.

Os membros fundadores da NEMO, que incluem entidades líderes na construção naval, inovação nuclear e classificação de segurança, trazem um vasto leque de conhecimentos técnicos e experiências que são essenciais para o desenvolvimento e a comercialização bem-sucedida de reatores nucleares pequenos e modulares adaptados ao ambiente marítimo. Estas tecnologias prometem revolucionar a geração de energia, oferecendo soluções mais flexíveis, escaláveis e potencialmente mais seguras que os grandes reatores nucleares terrestres tradicionais.

Em resumo, a NEMO desempenha um papel fundamental na promoção e na implementação de energia nuclear no ambiente marítimo como uma solução energética sustentável e de baixa emissão de carbono. Ao estabelecer padrões globais e promover a colaboração entre organizações e entidades chave, a NEMO contribui para o avanço tecnológico, a segurança ambiental e a sustentabilidade energética no cenário global.

Como a NEMO poderá colaborar com outras organizações, como a Organização Marítima Internacional (IMO) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), para estabelecer regulamentos e padrões globais para a energia nuclear marítima?

A colaboração entre a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO) e outras organizações internacionais relevantes, como a Organização Marítima Internacional (IMO) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), é essencial para o desenvolvimento, implementação e gestão eficazes de regulamentos e padrões globais para a energia nuclear marítima. Este processo de colaboração pode ser estruturado e implementado de várias maneiras, cada uma contribuindo para o objetivo comum de promover a segurança, eficiência e sustentabilidade ambiental.

Estabelecimento de Normas de Segurança e Proteção Ambiental

A NEMO pode colaborar com a IMO e a AIEA para desenvolver normas específicas para a segurança e proteção ambiental relacionadas com a operação de instalações nucleares marítimas. Isto inclui normas para o design, construção, operação e desmantelamento de instalações nucleares, bem como para a gestão de resíduos nucleares e proteção contra radiações. Estas normas podem ser desenvolvidas com base nas melhores práticas existentes, adaptadas para abordar os desafios únicos do ambiente marítimo.

Promoção da Conformidade Regulatória e Inspeções

Em colaboração com a IMO, a NEMO pode trabalhar no desenvolvimento de sistemas para garantir a conformidade regulatória das instalações nucleares marítimas. Isso pode incluir a criação de um sistema de certificação e inspeção para garantir que todas as operações nucleares no mar estejam em conformidade com os padrões estabelecidos. A AIEA, com sua experiência em normas de segurança nuclear e mecanismos de garantia, pode oferecer suporte técnico e metodologias de avaliação de risco.

Capacitação e Troca de Informações

A colaboração pode também envolver programas de capacitação e troca de informações entre a NEMO, a IMO, a AIEA e outras partes interessadas. Isso pode incluir workshops, seminários e programas de treinamento para compartilhar conhecimentos técnicos e melhores práticas na operação segura de instalações nucleares marítimas. A disseminação de pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos recentes entre estas organizações pode acelerar a inovação e melhorar as práticas de segurança.

Desenvolvimento de Resposta a Emergências

A colaboração pode estender-se à preparação e resposta a emergências nucleares no ambiente marítimo. A NEMO, em parceria com a AIEA e a IMO, pode desenvolver planos de emergência e procedimentos de resposta específicos para incidentes nucleares marítimos, incluindo a coordenação internacional para o caso de acidentes que possam ter impactos transfronteiriços.

Participação de Stakeholders e Governança Internacional

Finalmente, a NEMO pode servir como plataforma para envolver uma ampla gama de stakeholders, incluindo governos, indústrias, comunidades científicas e a sociedade civil, no desenvolvimento de políticas e regulamentações para a energia nuclear marítima. Através de um processo de governança inclusivo e transparente, a NEMO pode facilitar o diálogo e a colaboração entre diferentes partes interessadas, promovendo um consenso internacional sobre normas e práticas para a energia nuclear marítima.

A colaboração eficaz entre a NEMO, a IMO, a AIEA e outras entidades é crucial para o estabelecimento de um quadro regulatório robusto que assegure a segurança, a proteção ambiental e a sustentabilidade da energia nuclear marítima. Este esforço conjunto facilitará a aceitação e a implementação global da energia nuclear como uma solução viável e sustentável para os desafios energéticos contemporâneos.

Quais são os principais desafios enfrentados pela indústria da energia nuclear no mar que deverão ser abordados pela NEMO?

A indústria da energia nuclear marítima, embora promissora em termos de potencial para geração de energia limpa e sustentável, enfrenta uma série de desafios significativos que a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO) deverá abordar em colaboração com outras entidades e organizações internacionais. Esses desafios são multifacetados, abrangendo aspectos técnicos, regulatórios, ambientais, econômicos e sociais.

Desafios Técnicos e de Segurança

Um dos principais desafios técnicos é o design e a construção de pequenos reatores modulares (SMRs) e outras instalações nucleares que sejam seguros, eficientes e adaptados ao ambiente marítimo. Isso inclui a resistência a condições extremas, como tempestades e ondas grandes, bem como a proteção contra corrosão e bioincrustação. Além disso, a indústria deve desenvolver sistemas robustos de segurança e emergência para prevenir e responder a acidentes nucleares, minimizando o risco de contaminação radioativa do ambiente marinho e de áreas costeiras.

Regulamentação e Padrões Globais

A falta de um quadro regulatório global coeso para a energia nuclear no mar é outro desafio significativo. A NEMO terá que trabalhar em estreita colaboração com organizações como a IMO e a AIEA para desenvolver e implementar regulamentos internacionais e padrões de segurança específicos para a energia nuclear marítima, garantindo uma abordagem consistente à segurança, ao licenciamento, à operação e ao desmantelamento de instalações nucleares marítimas.

Proteção Ambiental

A proteção do ambiente marinho é uma preocupação central. A indústria deve garantir que a operação de instalações nucleares no mar não prejudique os ecossistemas marinhos, especialmente considerando o potencial para a liberação de materiais radioativos. Isso envolve não apenas o gerenciamento seguro de resíduos nucleares e combustível usado, mas também a minimização do impacto ambiental durante a construção, operação e desmantelamento de instalações nucleares.

Aceitação Pública e Percepção de Risco

A percepção pública do risco associado à energia nuclear e a oposição baseada em preocupações ambientais e de segurança representam obstáculos significativos. A NEMO e seus parceiros precisarão desenvolver estratégias eficazes de comunicação e engajamento público para educar as comunidades sobre os benefícios da energia nuclear marítima e as medidas adotadas para garantir sua segurança e sustentabilidade.

Financiamento e Viabilidade Econômica

A viabilidade econômica é também um desafio crucial, especialmente no que diz respeito ao alto custo inicial de desenvolvimento e implantação de tecnologias nucleares marítimas. A NEMO poderá desempenhar um papel na identificação de oportunidades de financiamento, incentivando investimentos do setor privado e público e colaborando na pesquisa e desenvolvimento para reduzir os custos e melhorar a eficiência.

Cooperação Internacional e Desafios Jurídicos

Por fim, a energia nuclear marítima enfrenta desafios jurídicos e de cooperação internacional, especialmente em águas internacionais, onde a jurisdição e a aplicação de regulamentos podem ser complexas. A NEMO terá que navegar por um panorama internacional fragmentado, promovendo a cooperação e a coordenação entre países e regiões para estabelecer um consenso sobre a governança da energia nuclear no ambiente marítimo.

A NEMO desempenhará um papel crucial na superação desses desafios, promovendo o desenvolvimento sustentável e seguro da energia nuclear marítima através da colaboração internacional, do estabelecimento de padrões e regulamentos globais, e da promoção da aceitação pública e do investimento na tecnologia nuclear marítima.

A descarbonização da indústria marítima é um dos grandes desafios no processo de descarbonização mundial. Ao seu ver, qual o papel da energia nuclear nesse processo?

A descarbonização da indústria marítima é, de fato, um dos grandes desafios no processo de descarbonização global, dada a sua contribuição significativa para as emissões de gases de efeito estufa, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis para propulsão e operações. A energia nuclear, com sua capacidade de gerar eletricidade e calor sem emitir CO2 durante a operação, tem o potencial de desempenhar um papel fundamental neste processo, oferecendo várias vias para contribuir para a redução das emissões de carbono no setor marítimo.

Propulsão Nuclear para Navios

Um dos papéis mais diretos da energia nuclear na descarbonização da indústria marítima é através da propulsão nuclear. Embora a propulsão nuclear seja atualmente limitada principalmente a navios militares e alguns quebra-gelos, a tecnologia tem potencial para ser adaptada a navios comerciais, especialmente para rotas de longa distância onde a eficiência e a capacidade de operar sem reabastecimento são vantajosas. A propulsão nuclear elimina a necessidade de combustíveis fósseis para a operação dos navios, reduzindo assim diretamente as emissões de gases de efeito estufa associadas ao transporte marítimo.

Energia Onshore para Operações Portuárias

Além da propulsão dos navios, a energia nuclear pode desempenhar um papel importante na descarbonização das operações portuárias. Pequenos reatores modulares (SMRs) podem fornecer energia limpa e confiável para a infraestrutura portuária, incluindo o carregamento e descarregamento de cargas, iluminação, aquecimento e outras necessidades energéticas. Isso pode reduzir significativamente as emissões de carbono dos portos, que são pontos críticos de emissão no setor marítimo.

Produção de Combustíveis de Baixo Carbono

A energia nuclear pode também facilitar a produção de combustíveis de baixo carbono para uso na indústria marítima. Por exemplo, a eletricidade gerada por instalações nucleares pode ser utilizada para produzir hidrogênio através da eletrólise da água. Esse hidrogênio pode ser usado diretamente como combustível ou como matéria-prima para a produção de outros combustíveis sintéticos de baixo carbono, como o amoníaco, que estão sendo considerados como alternativas viáveis aos combustíveis fósseis para o transporte marítimo.

Redução da Pegada de Carbono da Cadeia de Suprimentos

A integração da energia nuclear nas cadeias de suprimentos marítimas, especialmente em processos intensivos em energia, como a fabricação de peças de navios e a produção de materiais, pode reduzir ainda mais as emissões de carbono associadas à indústria marítima. Ao fornecer uma fonte de energia limpa para esses processos, a indústria marítima pode diminuir sua pegada de carbono total.

Desafios e Considerações

É importante notar que, enquanto a energia nuclear oferece oportunidades significativas para a descarbonização da indústria marítima, sua implementação enfrenta desafios técnicos, econômicos, regulatórios e sociais. Questões como a segurança nuclear, o gerenciamento de resíduos radioativos, o custo inicial de desenvolvimento de infraestrutura nuclear e a aceitação pública são cruciais para a viabilidade da energia nuclear como solução para a descarbonização marítima.

A energia nuclear tem o potencial de desempenhar um papel crucial na descarbonização da indústria marítima, oferecendo uma alternativa limpa aos combustíveis fósseis para a propulsão de navios, operações portuárias e produção de combustíveis de baixo carbono. No entanto, para que esse potencial seja plenamente realizado, será necessário abordar os desafios associados à sua adoção, através do desenvolvimento de tecnologias seguras e eficientes, da implementação de regulamentos apropriados e da promoção da aceitação pública.

O quão seguro é equipar um reator nuclear a bordo de uma embarcação?

A segurança de equipar um reator nuclear a bordo de uma embarcação é uma questão complexa que depende de vários fatores, incluindo o design do reator, os procedimentos operacionais, a manutenção, a formação da tripulação e as medidas de segurança implementadas. Historicamente, a propulsão nuclear tem sido utilizada principalmente em embarcações militares, como submarinos e porta-aviões, além de alguns quebra-gelos civis, onde a segurança operacional tem sido de grande importância. A experiência acumulada nesses contextos fornece uma base valiosa para avaliar e aprimorar a segurança de reatores nucleares em embarcações.

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