Estudo da EPE segue abordagem estratégica, concluindo que Angra 3 deve ser construída para evitar custos de abandono, sistêmicos e de arrependimentos
Na semana passada, o Estadão contatou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para esclarecimentos sobre seu Relatório do GT Angra 3, que trata dos impactos ao consumidor de energia elétrica relacionados à construção e contratação de UTN Angra 3, no âmbito da Lei n° 14.120/2021. A EPE alertou, como mencionado na matéria, que o referido Relatório é um documento preparatório e que, por conseguinte, não poderia se manifestar sobre informações detalhadas nesse momento. Isto porque documentos preparatórios são restritos para fundamentar tomada de decisão ou de administrativo, só tendo seu acesso assegurado a partir da edição do ato ou decisão (no caso, a decisão do CNPE sobre a UTN Angra 3) – art. 7º § 3º da Lei nº 12. 527/2011, c/c art. 20 do Decreto nº 7.724/2012.
A EPE também ressaltou que a abordagem do relatório final do grupo de trabalho de Angra 3 é abrangente e estratégica e não apenas sobre os custos da eletricidade a ser gerada por Angra 3 em comparação a outras fontes.
Sem revelar informações restritas, a EPE esclarece que foram feitas simulações com diversas fontes e essas comparações foram qualificadas em relação à sua comparabilidade com os serviços ao sistema que serão prestados pela UTN Angra 3. Os valores destacados na matéria são aqueles avaliados pela EPE como de baixa comparabilidade com a UTN Angra 3, pois ou são baseados em geração renovável variável (serviços distintos) e não incluem custos sistêmicos de back-up, estabilidade e rede/conexão (os quais podem superar US$ 50/MWh em cenários com 75% de renováveis variáveis na matriz elétrica, de acordo com a OCDE) ou não incluem externalidades (custos externos) como os custos de abatimento de carbono após 2031 (diversos estudos internacionais apontam para preço de carbono em torno de US$ 100/tCO2eq, o que adicionaria US$ 34/MWh em UTE a gás natural, por exemplo). A comparação nesse ponto citado do estudo tampouco considera o custo de oportunidade do abandono do projeto avaliado pelo BNDES, o qual é abordado em outra parte do relatório da EPE, que tem quase 300 páginas de avaliação. O relatório também aborda aspectos de confiabilidade e resiliência do sistema. As condições de regularidade e qualidade do fornecimento de eletricidade impactam o custo para o consumidor. Então, a comparação não pode ser direta. Esses pontos estão ressaltados no relatório da EPE.
Ou seja, há uma interpretação equivocada do estudo da EPE por não cobrir todos os aspectos avaliados no Relatório do GT Angra 3.
Outro ponto discutido no relatório é que em comparação com custos nivelados de energia (LCOE) de empreendimentos nucleares, diferenças de custos financeiros e de remuneração de capital podem influenciar sensivelmente os resultados. Quando comparado com condicionantes adequados, os custos de geração da UTN Angra 3 apontados pelo BNDES atendem aos princípios da razoabilidade e da modicidade tarifária, que devem considerar as perspectivas de custos sistêmicos, custo de abatimento de carbono após 2030 e resiliência climática. Os preços da eletricidade de Angra 3 calculados pelo BNDES são inclusive similares aos preços aprovados pelo CNPE em 2018, após sua atualização econômica (trazidos para valores na mesma base).
A abordagem utilizada pela EPE é baseada em diversas experiências internacionais (como França, Reino Unido, EUA, Canadá, Finlândia, Japão, Coreia do Sul, China, entre muitos outros) e lastreada em discussões técnicas da OCDE, NEA, IEA e IAEA. Essa também é a abordagem que fez a Suécia, recentemente, decidir alterar a decisão de considerar apenas renováveis e passar a considerar energias limpas, retomando a construção de plantas nucleares para atingir a neutralidade climática em 2050, com segurança energética e confiabilidade do sistema (concluiu que sem nuclear ou não seria possível ou seria muito mais caro assegurar esses objetivos). Mesma decisão que vem sendo buscada pela Itália. O próprio processo eleitoral atual da Alemanha debate o equívoco de ter abandonado a energia nuclear e a insegurança e os custos trazidos por essa decisão. Em tempo, após fechar as plantas nucleares, a Alemanha negociou e aumentou as importações de eletricidade da França para manter a confiabilidade de seu sistema elétrico, cuja matriz elétrica é quase 70% nuclear!
Entre os aspectos estratégicos também são considerados nos estudos da EPE e na experiência internacional aqueles relacionados ao domínio da tecnologia nuclear e seus transbordamentos tecnológicos para outros setores, bem como os benefícios socioeconômicos de seu encadeamento produtivo e da inserção nas cadeias globais de valor.
Outro esclarecimento é que, embora seja possível mensurar esses aspectos estratégicos, não há consenso internacional sobre metodologias para realizar essa avaliação de custos totais de provisão de eletricidade. Tampouco há, hoje, previsão legal ou infralegal que estabeleça governança, validação metodológica e segurança jurídica no Brasil para permitir a aplicação dessa mensuração pela EPE. Por isso, a abordagem da EPE foi estratégica e não quantitativa. O mesmo ocorre na experiência internacional.
Em resumo, o Relatório da EPE é bem mais amplo do que a matéria aborda e conclui que a construção de UTN Angra 3 evita custos elevados de abandono, ajuda a moderar custos sistêmicos, provê segurança energética e confiabilidade para o sistema, e contribui para aumentar a descarbonização e a resiliência climática da matriz energética nacional. Ademais, a construção de Angra 3 evita arrependimentos futuros associados à perda do domínio tecnológico e à desmobilização da cadeia de fornecedores de bens e serviços no Brasil.
Por visão de mundo, muitos especialistas e partes interessadas estão ignorando aspectos fundamentais para a tomada de decisão sobre a UTN Angra 3. Decisões baseadas nessas visões estão gerando arrependimentos custosos em outros países.
A nota foi publicada originalmente no site da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Imagem: Divulgação EPE
Fonte: Assessoria de Comunicação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)