Você sabia que mais de 90% da energia potencial que existe nas barras de combustível quando são carregadas no núcleo de reatores nucleares comerciais ainda permanece disponível após cinco anos de operação? Bem, isso é verdade, de acordo com o Escritório de Energia Nuclear do Departamento de Energia dos EUA (DOE, na sigla em inglês). Isso é importante porque a maioria dos reatores é reabastecida em um ciclo de 18 ou 24 meses, com cerca de um terço do combustível substituído a cada parada.
Desse modo, cada elemento combustível típico permanece no reator de quatro anos e meio a seis anos. Portanto, há muito combustível nuclear não utilizado no “combustível nuclear gasto”. Kelsey Adkisson, profissional de comunicação científica do Pacific Northwest National Laboratory (PNNL), dos EUA, comparou a situação com “encher seu tanque de gasolina com dez galões, dirigir apenas o suficiente para queimar meio galão e descartar o resto”.
Contudo, é algo ainda pior, porque a indústria nuclear não apenas deixa de aproveitar grandes quantidades de combustível útil, mas também tem que gerenciar os resíduos altamente radioativos e de longa duração. Essa operação custa dinheiro e aumenta os riscos. Não é, de fato, uma maneira lógica de fazer negócios. Além disso, embora o combustível nuclear usado seja e sempre tenha sido gerenciado de maneira segura e responsável nos EUA – bem como no Brasil, isso poderia ser feito de uma maneira muito mais ecológica, reciclando o combustível ainda útil e reduzindo o volume de material que precisa ser armazenado.
Um processo complicado
Kelsey Adkisson explicou em um artigo publicado no site do PNNL que separar as partes que podem ser aproveitadas do combustível nuclear usado dos componentes inutilizáveis é algo complicado. O combustível nuclear irradiado contém aproximadamente metade dos elementos listados na tabela periódica, então, do ponto de vista da química, há muito com o que lidar.
Dr. Gregg Lumetta, um colega do PNLL e químico do Grupo de Engenharia e Química Nuclear do Laboratório, sugeriu que, para reduzir o risco de proliferação, “é melhor que o plutônio puro não seja produzido em nenhum ponto do processo de separação”.
Usando outra analogia, Adkisson comparou a separação do combustível nuclear usado a “tentar desconstruir o molho vinagrete para salada com o objetivo de passar os ingredientes do vinagre para o óleo”. O processo é realmente feito alimentando uma pasta química em um sistema de centrifugação, que ela disse que “parece uma caixa de comprimidos gigante com cada compartimento contendo um rotor para misturar”.
A solução flui de uma extremidade do sistema para a outra – misturando, centrifugando, adicionando ou subtraindo diferentes componentes químicos ao longo do caminho. Durante todo o processo, o monitoramento em tempo real fornece informações críticas sobre os ajustes que precisam ser feitos para manter composições químicas específicas.
Campo de futebol americano de combustível nuclear gasto
Embora a reciclagem de combustível nuclear usado possa parecer excelente, algumas pessoas podem argumentar que não vale a pena. Afinal, existem apenas cerca de duas mil toneladas métricas de combustível irradiado gerado nos Estados Unidos anualmente em usinas nucleares comerciais. Para colocar isso em perspectiva, considere que desde que o país começou a gerar eletricidade a partir de unidades nucleares comerciais na década de 1950, todos os reatores combinados – 133 no total, incluindo alguns pequenos protótipos e unidades de teste que funcionaram apenas por alguns anos – produziram cerca de 87 mil toneladas métricas de combustível nuclear gasto, e todo esse material cabe em um único campo de futebol americano a uma profundidade menor que dez jardas.
É evidente que o que esse combustível nuclear usado não é armazenado em um único campo de futebol americano – ou em um repositório geológico federal, como muitos especialistas gostariam que fosse. Em vez disso, as barras de combustível usadas comercialmente são armazenadas em 76 reatores ou depósitos em 34 estados dos EUA. Como destacado anteriormente, isso é feito com segurança, mas o processo poderia ser conduzido de maneira mais sustentável e produtiva.
Além disso, o combustível nuclear usado levanta grandes preocupações fora da indústria nuclear, o que é outra razão pela qual a reciclagem pode valer a pena. O movimento antinuclear regularmente “elogia” o problema dos resíduos nucleares como uma razão para evitar a construção de novas usinas e desmantelar as já existentes, apesar de fornecerem eletricidade firme, limpa, segura e disponível. Eliminar grande parte do problema por meio da reciclagem remove “muito do vento de suas velas proverbiais”.
Mais opções à disposição
A Associação Nuclear Mundial (World Nuclear Association – WNA) afirma que China, Japão, Rússia e vários países europeus já têm políticas em vigor para reprocessar o combustível nuclear usado. Na França, por exemplo, o reprocessamento de combustível de óxido é feito em La Hague desde 1976, e duas plantas (capacidade de 800 toneladas/ano) estão operando atualmente, ainda de acordo com a WNA. A concessionária francesa EDF supostamente fez provisões para armazenar urânio reprocessado por até 250 anos como uma “reserva estratégica”. Ou seja, o combustível nuclear irradiado pode ser visto com um patrimônio em vez de um passivo.
O DOE e seus laboratórios associados apoiam, há anos, a pesquisa e o desenvolvimento de uma ampla gama de novas tecnologias de reatores avançados, que podem mudar o jogo para a indústria nuclear. Existem projetos que podem consumir ou funcionar com combustível nuclear usado. Especificamente, um projeto de reator rápido resfriado a sódio (SFR, na sigla em inglês) – usa um metal líquido (sódio) como refrigerante em vez de água e um espectro de nêutrons rápidos – poderia aproveitar o combustível gasto dos reatores atuais para produzir energia elétrica. Por sua vez, reatores a sal fundido (MSRs, na sigla inglesa), que usam fluoreto derretido ou sais de cloreto como refrigerante, podem ser adaptados para a queima eficiente de plutônio e actinídeos menores. Desse modo, um MSR pode vir a consumir resíduos gerados em outros reatores.
Em suma, a questão é que o combustível nuclear usado não é resíduo; é um recurso valioso. Deve ser considerado uma reserva estratégica, semelhante à forma como a França e outros países parecem vê-la. Mudar a forma como as pessoas enxergam o combustível nuclear irradiado – e o que fazemos com ele – pode ser vital para o futuro da indústria nuclear.
Leia o artigo original, em inglês, aqui.
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Autor: Aaron Larson
Foto: Elemento combustível / Divulgação Indústrias Nucleares do Brasil (INB)
Fonte: Power Magazine