O físico Luís Antonio Albiac Terremoto, pesquisador do Centro de Engenharia Nuclear (Ceeng) do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/Cnen), escreve artigo sobre os reatores nucleares ucranianos
Foto: O pesquisador Luís Antonio Albiac Terremoto, do Centro de Engenharia Nuclear (Ceeng) do Ipen / Captação de tela
Luís Antônio Albiac Terremoto
No contexto do conflito bélico em curso, envolvendo Ucrânia e Rússia, um dos aspectos que mais tem demandado atenção dos meios de comunicação se refere à segurança das centrais nucleares ucranianas. Uma opinião mais qualificada sobre esse assunto requer conhecimentos sobre as características principais dos reatores nucleares de potência que equipam as referidas centrais nucleares, notadamente quanto às barreiras de segurança sucessivas desses reatores, as quais têm a função de impedir a liberação de radionuclídeos ao meio-ambiente.
Conforme os dados disponíveis no Power Reactor Information System (PRIS), da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), existem atualmente na Ucrânia quinze reatores nucleares de potência operacionais, distribuídos em quatro centrais nucleares, que em conjunto produzem 51,2% da energia elétrica total daquele país. Outros dois reatores nucleares de potência se encontram em construção. Todos esses reatores nucleares de potência são do tipo VVER, o projeto russo para reatores nucleares refrigerados a água pressurizada.
Ademais, existem em território ucraniano quatro reatores nucleares de potência que se encontram desligados permanentemente, os quais são do tipo RBMK, o projeto russo para reatores nucleares refrigerados a água fervente e moderados a grafite, os quais constituem a central nuclear de Chernobyl. No reator 4 dessa central nuclear, em 26/04/1986, aconteceu o mais grave acidente nuclear da história.
Tendo em vista esse cenário, logo no dia seguinte ao início do conflito bélico, a AIEA divulgou um comunicado oficial exortando as tropas em confronto a evitarem realizar combates nas proximidades das centrais nucleares ucranianas. Não obstante, ao longo da primeira semana decorrida desde a divulgação do referido comunicado, algumas notícias foram veiculadas, alegando, no início, riscos à segurança da central nuclear – desligada permanentemente – de Chernobyl e, depois, à segurança da central nuclear – operacional – de Zaporíjia. Constatou-se que, em ambos os casos, felizmente, nenhum dano foi causado à estrutura dos reatores nucleares em si, embora, na central nuclear de Zaporíjia, um dos edifícios administrativos e o estacionamento anexo tenham sido atingidos e danificados.
Os quatro reatores nucleares tipo RBMK da central nuclear de Chernobyl possuem barreiras externas de segurança menos robustas que outros tipos de reatores nucleares de potência, conforme pode ser observado na Figura 1. Entretanto, convém destacar que, envolvendo o reator 4, danificado severamente no acidente de 26/04/1986, existe uma barreira inicial de contenção que foi construída entre junho e novembro de 1986, à qual sobrepôs-se uma estrutura metálica de aço – a maior estrutura móvel metálica do mundo (110 m de altura, 257 m de envergadura, 165 m de comprimento, 10 m de espessura e massa total de 25000 toneladas ) – para confinamento seguro, em novembro de 2016, após seis anos de construção e um custo de 2,15 bilhões de Euros. Essa estrutura metálica de aço para confinamento seguro é ilustrada na Figura 2.
Por sua vez, todos os seis reatores nucleares tipo VVER da central nuclear de Zaporíjia possuem barreiras sucessivas de segurança compatíveis com o conceito de defesa em profundidade, conforme pode ser observado na Figura 3. Essas barreiras de segurança são similares às existentes em outros projetos de reatores nucleares refrigerados a água pressurizada (PWR), tais como os dois reatores nucleares da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), localizada em Angra dos Reis (RJ), Brasil, conforme indicadas na Figura 4 para o reator nuclear de Angra 2.
Referências bibliográficas
[1] A. Klimov, Nuclear Physics and Nuclear Reactors, Mir Publishers, Moscow (1975).
[2] Chernobyl New Safe Confinement, Wikipedia (2022).
[3] V. B. Dubrovsky, P. A. Lavdansky, F. S. Neshumov, Yu. V. Ponomarev, A. P. Kirillov, V. S. Konviz, Construction of Nuclear Power Plants, Mir Publishers, Moscow (1981).
[4] T. Margulova, Nuclear Power Stations, Mir Publishers, Moscow (1978).
[5] W. Oldekop (Herausgeber), Druckwasserreaktoren für Kernkraftwerke, Verlag Karl Thiemig KG, München (1974).
Figura 1 – Diagrama de um reator nuclear modelo RBMK-1000. No diagrama estão indicados os seguintes componentes: 1) Cerne; 2) Instalações para entrada de água; 3) Instalações para saída de água e vapor; 4) Separador de vapor; 5) Bomba de refrigeração; 6) Máquina para carga e descarga de combustível. Nota-se a ausência de barreiras de segurança robustas.
Figura 2 – Ilustração representativa da central nuclear de Chernobyl, onde está indicado tanto o reator 4 (danificado severamente no acidente ocorrido em 26/04/1986) com a barreira inicial de contenção construída em 1986 em torno dele (embaixo, desenho menor à esquerda), quanto a nova estrutura metálica de aço para confinamento seguro (acima, desenho maior) instalada em 2016.
Figura 3 – Diagrama de um reator nuclear modelo VVER-1000. No diagrama estão indicados os seguintes componentes: 1) Vaso de pressão; 2) Gerador de vapor; 3) Bomba de refrigeração principal; 4) Válvula principal; 5) Pressurizador; 6) Tanque borbulhante; 7) Tanque com solução de boro para emergência; 8) Máquina para carga e descarga de combustível; 9) Tubulação principal de vapor; 10) Guindaste polar; 11) Ventilador centrífugo; 12) Caixa de ventilação; 13) Barras de controle de reposição; 14) Tampa superior da cavidade de concreto do cerne; 15) Escotilha acima da válvula principal; 16) Plataforma de manutenção; 17) Bloqueio principal para controle de contaminação; 18) Alojamentos de eletricistas; 19) Estrutura de contenção feita de concreto reforçado. Constituem barreiras de segurança do reator os componentes 1), 14), 17) e principalmente 19).
Figura 4 – Diagrama das barreiras de segurança sucessivas do reator nuclear de Angra 2, projetadas para impedir a liberação de radionuclídeos ao meio-ambiente. As barreiras de segurança indicadas são similares às existentes em outros reatores nucleares refrigerados a água pressurizada (PWR).
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Fonte: Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – Ipen/Cnen (https://www.ipen.br/portal_por/portal/interna.php?secao_id=38&campo=17292)