ARTIGO | Hidrogênio: a próxima bolha?

ARTIGO | Hidrogênio: a próxima bolha?

Impressiona e preocupa a euforia e centralidade como estratégia de desenvolvimento, que o hidrogênio hoje ocupa no Ceará. Nunca tantos (empresários, políticos, governantes, imprensa) se iludiram tanto (o problema da pobreza do estado será resolvido) com tantas promessas (hidrogênio verde ainda está longe de ser viável economicamente).

Antes de mais nada é importante entender que hidrogênio não é fonte de energia, já que precisa de energia para ser produzido. Ele na verdade é uma maneira muito cara de armazenar e transportar energia.

No ciclo de produção, transporte e geração de cada 100 unidades de energia renovável utilizada na produção do hidrogênio somente 30 chegam ao consumidor final. Esse parâmetro de ineficiência energética torna seu custo proibitivo. Equivale, por exemplo, a um barril de petróleo custando, no mínimo, 250 dólares. No mercado se fala que usar hidrogênio verde é como queimar bolsas Louis Vuitton para obter energia.

A preços de hoje o kg do hidrogênio verde custa entre 6 a 10 dólares, enquanto do hidrogênio azul (produzido a partir de gás natural) custa 2. Quem vai demandar a mesma matéria prima custando até 5 vezes mais? O agricultor vai aceitar comprar fertilizante de amônia verde custando cinco vezes mais que a amônia azul? Só existe uma maneira de gerar demanda: elevadíssimos subsídios do governo.

Mesmo com os subsídios que hoje são ofertados dois terços dos projetos anunciados no mundo até 2030 não tem demanda (de uma produção de 14 milhões de toneladas anunciadas só existe demanda para 4,3).

Notícia no site Hydrogeninsight mostra que existem hoje no mundo mais de 680 projetos de hidrogênio limpo de potência superior a 1 MW, com investimentos programados de 240 bilhões de dólares até 2030. No entanto apenas 22 bilhões desse total está em estágio de decisão final e identificação de fontes de financiamento.

Por que então tantos memorandos de investimentos estão sendo assinados no Ceará? Custo de assinar um memorando é zero, procura por garantir incentivos ficais, dinheiro barato do BNB, pesado lobby da indústria de infraestrutura de óleo e gás e “Greenwashing” que é o uso do hidrogênio verde para garantir o mercado de hidrogênio azul e cinza.

Para o Ceará, no entanto, a pergunta principal é a seguinte: mesmo na hipótese heroica de os acordos anunciados serem efetivamente implantados, quais seus impactos na nossa economia? Usinas de hidrogênio são intensivas em capital e dessa forma geram poucos empregos permanentes.

Maior parte dos investimentos vão utilizar equipamentos importados. Sendo projetos focados na exportação vão pagar pouco imposto ao governo local, mas vão demandar incentivos fiscais diretos ou indiretos. Em resumo, tendência é gerar pouco emprego, pouco imposto e pouco uso de equipamentos locais.

Além disso, um insumo importante na produção é água tratada. Como esse é um insumo escasso no Ceará teremos que ter água de dessalinização que é cara e tem potencial preocupante de poluição pelo despejo de rejeitos no litoral.

Outra pergunta relevante é porque em vez de usar o enorme potencial de geração de energias renováveis para ofertar energia limpa e barata para os consumidores e industrias locais, vamos utiliza-las para abastecer os consumidores e indústrias estrangeiras? Um estado pobre vai subsidiar a indústria de países ricos?

Precisamos separar a ilusão da realidade. A economia do estado não está bem. O IBGE mostra que nossa indústria teve o pior desempenho do Brasil no mês de junho. O financiamento do governo é cada vez mais dependente de transferências do governo federal. A população no Bolsa Família é maior que aquela com carteira assinada. O risco de acreditar e investir na ideia de que o hidrogênio é a bala de prata é muito alto. Precisamos pensar, planejar e praticar estratégias mais inteligentes.

O artigo foi publicado originalmente no site O Otimista.

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Autor: Marcos C. Holanda – PhD, professor titular da UFC, ex-presidente do BNB e fundador do Ipece
Foto em destaque: Divulgação O Otimista

Fonte: O Otimista