Por Amir Zacarias Mesquita, professor do Programa de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/Cnen)
As condições para desencadear as reações em cadeia de fusão são altíssimas temperaturas e pressão. Essas condições são alcançadas, desde 1949, com a bomba de hidrogênio, ou bomba termonuclear (fusão descontrolada), que é iniciada com a detonação de um artefato de fissão. O controle da reação de fusão tem sido tentado há vários anos, mas, até o momento, não se conseguiu manter as reações em cadeia de modo que se tenha um ganho positivo de energia. Ou seja, se gasta mais energia para criar e manter o plasma confinado do que a energia que se pode aproveitar.
O Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) anunciou em 13 de dezembro 2022 que os pesquisadores do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL, em inglês), na Califórnia, conseguiram mais energia do que a energia dos feixes de laser utilizados para iniciar reações de fusão nuclear. Experimentos de fusão com laser têm sido tentados, mas sempre se gasta mais energia para iniciar o processo de fusão do que a energia produzida. Mas nenhum experimento de fusão nuclear havia conseguido produzir mais energia do que a energia do laser utilizada nos experimentos (fusão a laser). O que não foi plenamente divulgado é que, para produzir o feixe de laser, utilizou-se cerca de 150 vezes mais energia elétrica do que a produzida no processo.
No experimento, foi utilizado um poderoso laser de 192 feixes que penetrou num pequeno cilindro, gerando um bombardeiro de raios X, que, por sua vez, comprimiu uma pastilha de combustível do tamanho de um grão de ervilha, constituída de deutério e trítio (D-T ou H-2 e H-3). Instantaneamente (menos de 100 trilionésimos de segundo), o laser, com energia de 2,05 megajoules (MJ), bombardeou a pastilha de D-T. Então, foram liberados nêutrons e partículas alfa (núcleo do Hélio ou He). Os nêutrons escapam, e as partículas alfa depositam sua energia no combustível denso, aquecendo-o ainda mais, produzindo 3,15 MJ de energia da reação de fusão, um fator de 1,54 de ganho em relação à entrada de energia. Isso ultrapassou o limite que os cientistas da fusão a laser chamam de ignição, a linha divisória onde a energia gerada pela fusão é igual à energia dos lasers recebidos que iniciam a reação.
Ainda que seja necessário um ganho de energia significativamente maior para a produção de energia, o experimento representou um grande avanço nas pesquisas de fusão. O laser é tão forte que pode aquecer a cápsula a 100 milhões de graus Celsius e comprimi-la mais de 100 bilhões de vezes. Sob essas forças, a pastilha implode, forçando os átomos de hidrogênio a se fundirem, liberando energia.
Embora o experimento tenha produzido um ganho líquido de energia em comparação à energia dos 2,05 MJ dos feixes de laser recebidos para energizar o laser, foram necessários 300 MJ da rede elétrica para gerar o breve impulso. O laser utilizado é o mais poderoso do mundo, sendo a montagem do tamanho de um estádio esportivo. Uma instalação comercial usando a abordagem de fusão a laser precisaria de lasers muito mais rápidos, capazes de disparar no ritmo de uma metralhadora, talvez dez vezes por segundo. O laboratório ainda consome muito mais energia do que a produzida pelas reações de fusão. Os pesquisadores calculam que uma usina de energia de fusão a laser viável, provavelmente, exigiria ganhos de energia muito maiores do que o 1,5 observado neste recente experimento. Seriam necessários ganhos de 30 a 100 para viabilizar o fornecimento de energia em uma usina.
O modo mais usual de confinar o plasma tem sido através de campo magnético fornecido por potentes eletroímãs, que produzem um campo magnético toroidal. O plasma é formado pelos isótopos de hidrogênio, deutério e trítio. O campo magnético limita o espaço onde ocorre a fusão, de modo a não tocar as paredes do vaso do reator. A primeira montagem por confinamento magnético entrou em funcionamento em 1956 no Instituto Kurchatov, em Moscou, sendo conhecida como Tokamak (TOroidal’naya KAmera s MAgnitnymi Katushkami ou câmara toroidal com bobinas magnéticas). Foi idealizada por físicos soviéticos, incluindo Andrei Dmitrievich Sakharov (1921-1989). Desta época até hoje, tem sido aperfeiçoada, mas mantêm-se sempre o mesmo princípio. Existem dezenas de Tokamaks distribuídos em vários países, inclusive três no Brasil.
Atualmente, o Tokamak mais avançado em construção é o Iter, que significa “o caminho” em latim (anteriormente, era um acrônimo de International Thermonuclear Experimental Reactor), situado em Cadarache, no sul da França. Sua construção foi iniciada em 2013, e a previsão é que seja concluída em 2025. Os experimentos plenos de fusão deutério-trítio (D-T) terão início a partir de 2035.
A potência a ser consumida pelo sistema será de 50 megawatts (MW), e espera-se que seja liberada uma potência térmica de fusão de 500 MW, produzindo um ganho positivo de energia, sendo este o objetivo da instalação. A conversão da energia nuclear em eletricidade não é a meta do projeto. Destaca-se que a produção de eletricidade em todas as termoelétricas, inclusive quando for utilizada a fusão nuclear, obedece ao Ciclo de Carnot e tem uma eficiência de 30% a, no máximo, 50%. Deste modo, a energia elétrica produzida nos reatores a fusão nuclear, na melhor das hipóteses, será metade da energia térmica gerada no núcleo.
Os experimentos de fusão dos núcleos leves são importantes, e este será o futuro da energia nuclear sem rejeitos. Mas ainda vai demorar algumas décadas para ser alcançado. Até lá, a única energia limpa e sustentável disponível, e que a humanidade domina e controla desde 1942, é a fissão do urânio, que ainda irá predominar por várias décadas.
O artigo foi publicado originalmente no site da Eletronuclear.
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Imagem: Conceito de tokamak / Divulgação
Fonte: Eletronuclear