ARTIGO | Energia nuclear com segurança

ARTIGO | Energia nuclear com segurança

É uma função de Estado e deve ser exercida de forma apartada de qualquer interesse comercial

Por Francisco Rondinelli Júnior

O Brasil tem a oportunidade de seguir o exemplo de países como a Suécia e reestruturar seu programa de energia nuclear para garantir a segurança energética. A implantação de um parque nucleoelétrico equivalente a uma usina de Itaipu — composto de aproximadamente 12 reatores de água pressurizada (PWR) de 1.450 MW cada — proporcionaria uma fonte de energia limpa e estável, eliminando os riscos de apagões e desabastecimento.

As reservas de urânio do país já estão medidas e seria possível expandir a exploração por meio de parcerias público-privadas, permitindo a exportação de produtos de maior valor agregado, como o urânio UF6 ou enriquecido a até 5%. Isso — com o desenvolvimento de elementos combustíveis como o urânio de alta concentração e baixo enriquecimento, conhecido pela sigla Haleu — impulsionaria o setor nuclear, promovendo a capacitação industrial, o desenvolvimento científico e tecnológico e fortalecendo a cadeia produtiva.

No entanto essa visão ambiciosa também demanda uma revisão da atual estrutura e das competências do setor. É crucial avaliar se as empresas públicas e as instituições responsáveis pela governança nuclear detêm recursos e capacidade necessários para apoiar esse plano de crescimento, assegurando que todas as exigências de segurança e regulatórias sejam atendidas de forma adequada. Portanto a implementação desse guia de desenvolvimento (roadmap) para o setor exige cuidadosa consideração e planejamento para garantir sucesso no longo prazo. Um ponto prioritário a considerar nessa reestruturação diz respeito à necessidade de dotar o país de uma Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), isenta e independente.

Toda autoridade regulatória, ao contrário do modelo de agências reguladoras, não pode se envolver com questões de mercado. No caso da área nuclear, isso é requisito obrigatório porque segurança nuclear não se comercializa, não se negocia, não se precifica. É uma função de Estado e deve ser exercida de forma apartada de qualquer interesse comercial.

É por isso que, em todo o mundo, as autoridades regulatórias de segurança nuclear são vinculadas a ministérios, ou a seus equivalentes, que não executem atendimento ao mercado.

A ANSN não deve estar vinculada ao Ministério de Minas e Energia, muito menos envolver-se em gestão de minerais de natureza estratégica e não regulatória. Sua atividade é parte do planejamento para o setor, do qual deveria se abster, a fim de garantir a isenção de suas ações como autoridade regulatória.

Essa atribuição de planejamento se coaduna mais com o papel de formulação de políticas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), autarquia federal que assessora o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação na coordenação da política nuclear.

É muito importante que o país elabore um programa abrangente que envolva todos os segmentos de aplicação da tecnologia nuclear. Uma proposta que iria ao encontro do interesse global na geração nuclear, em função de sua contribuição para a descarbonização da matriz energética mundial, possibilitando que o Brasil avance ainda mais nas conquistas que já alcançou na área e consolide sua posição como um player de peso na geopolítica do setor.

O artigo foi publicado originalmente no site do jornal O Globo em 19/10/23.

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Autor: Francisco Rondinelli Júnior – presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear
Foto: Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA) / Divulgação Eletronuclear

Fonte: Jornal O Globo – Editoria de Opinião