A bandeira da criação de uma nova Política Nuclear nacional não se limita mais apenas à geração de energia, mas abrange uma série de externalidades positivas que podem advir da energia nuclear
Por Wagner Victer
Normalmente, a definição de políticas públicas em governos, especialmente em novos governos, surge de tendências e da dinâmica de movimentos percebidos, bem como em resposta a fatos que emergem no cenário nacional e internacional.
Devido à necessidade decorrente dos acordos climáticos internacionais e da transição energética que visa fontes de geração descarbonizadas – e também considerando estratégias de segurança energética oriundas de conflitos internacionais – observou-se nos últimos 24 meses um crescente interesse na retomada da geração de energia nuclear, principalmente na Europa. Esta fonte de energia, inclusive, ganhou nova classificação como “energia limpa”.
Esse movimento internacional começa a ecoar no Brasil, alinhado à tendência natural de alocar recursos do orçamento público para a conclusão da Usina Angra 3 – um projeto que alcançou o chamado “ponto de não retorno”. Além disso, há indicações da construção de uma quarta usina, conforme previsto nos Planos Decenais de Desenvolvimento Energético da EPE.
Nesse contexto, participei, há algumas semanas, de um evento de assinatura de um Memorando de Ação para o Setor Nuclear Nacional no Palácio Guanabara. Promovido pela Secretaria de Estado de Energia e Economia do Mar (Seenemar) – recriada à imagem da antiga Secretaria de Energia, Indústria Naval e Petróleo –, chamou-me a atenção a presença inédita, na última década, de presidentes de empresas do setor nuclear. Ainda mais marcante foi a presença dos parlamentares federais Júlio Lopes e Áureo, responsáveis pela criação da Frente Parlamentar em Defesa das Atividades Nucleares do Brasil, agora ativa em Brasília.
A bandeira da criação de uma nova Política Nuclear nacional não se limita mais apenas à geração de energia. Ela abrange uma série de externalidades positivas que podem advir da energia nuclear, como as soluções proporcionadas pelos pequenos reatores (SMR – Small Modular Reactors) aplicáveis em locais remotos, processos de descarbonização industrial e, potencialmente, novas tecnologias para produção de petróleo submarino, onde a geração de energia é frequentemente um desafio.
Outro aspecto relevante refere-se à Lei Federal 14524/2022, que visa potencializar a produção de urânio no Brasil. Até então, sob monopólio da INB, essa nova legislação permitirá estabelecer parcerias com investidores para impulsionar a produção no país, agregando valor à nossa economia.
Nossas reservas nacionais de urânio, consideradas as sétimas maiores do mundo, localizadas em Caetité, na Bahia (já em produção) e em Santa Quitéria, no Ceará, necessitam de uma nova estruturação devido à insuficiência financeira e limitações do orçamento público. A situação atual, que busca ser superada, não nos permite ocupar espaços significativos no mercado internacional, especialmente diante da redução da oferta de cerca de 3 mil toneladas anuais pelo Níger, na África. Isso representa uma grande oportunidade, não apenas para geração de riquezas e divisas, mas também para potencializar a fábrica de combustível em Resende, no Sul Fluminense, que está em estudos para ampliação. Sem mencionar o potencial das reservas de Santa Quitéria em fornecer insumos relevantes para a indústria de fertilizantes.
Do mesmo modo, considerando externalidades, surge a necessidade de abordar nossa dependência quase total de radiofármacos importados. A recente crise da covid-19 e a compreensão de que questões vitais não devem depender exclusivamente de fornecedores externos indicam a necessidade de estabelecer uma unidade de produção no Brasil – talvez no interior de São Paulo ou na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Em relação à aplicação médica, o depoimento de um dos participantes do evento mencionado foi impactante, comparando a dependência da importação de radiofármacos à “importação de gelo”, cuja eficácia diminui à medida que o tempo passa. A posição estratégica do Brasil nesse contexto é crucial para acompanhar os avanços médicos que se expandem não apenas nacionalmente, mas globalmente.
O Rio de Janeiro, abrigando sedes da Eletronuclear (geração), INB (mineração), Nuclep (construção pesada), CNEN (fiscalização e tecnologia), IRD e até o Escritório Central da futura Agência Reguladora de Segurança Nuclear, além de entidades principais como ABEN e ABDAN e cursos de graduação e pós-graduação em Engenharia Nuclear (oferecidos pela UFRJ), se estabelece como um cluster nuclear integrado e proeminente.
Não foi por acaso que a fábrica de Submarinos Nucleares (Prosub) foi localizada em Itaguaí, integrada à Nuclep. A produção dessas unidades está ocorrendo de maneira eficaz, garantindo uma demanda contínua para a Nuclep. Isso também possibilitou a expansão para outros setores relacionados à energia, como a fabricação de Torres de Transmissão, componentes para energia eólica, estacas torpedo para indústria offshore e módulos para a construção de FPSOs na indústria do petróleo.
Não resta dúvida de que a tentativa de organização do setor nuclear no país, por meio de uma Frente Parlamentar no Congresso Nacional, pode dinamizar e capitalizar ainda mais as externalidades dessa área, retomando a escala observada no Brasil desde a década de 1970, quando começou o desenvolvimento de diversas atividades ligadas ao segmento.
É crucial acompanhar a evolução desse tema. Todos os envolvidos com a área de energia devem estar atentos a essa movimentação, que sinaliza o delineamento de uma nova política nacional. É fundamental entender como ela será estabelecida nas previsões orçamentárias dos próximos anos, especialmente porque muitas empresas desse setor dependem do orçamento público nacional, que está com recursos limitados. Assim, a busca por parcerias estratégicas torna-se essencial para a continuidade e aceleração dessa retomada.
O artigo foi publicado originalmente no site da Editora Brasil Energia
Autor: Wagner Victer – engenheiro; administrador; ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo; e ex-conselheiro do CNPE. Escreve mensalmente na Brasil Energia.
Imagem: Divulgação
Fonte: Editora Brasil Energia