O site Petronotícias publicou entrevista com a respeitadíssima e premiada física Patrícia Wieland, uma profunda conhecedora do emprego da energia nuclear em suas várias vertentes. Ela foi convidada a falar um pouco sobre uma atividade que poucos conhecem no país, mas que é de fundamental importância para a preservação de alimentos em toda sua cadeia. Dados das Nações Unidas indicam que a falta de irradiação nuclear provoca a perda e o desperdício de 12% da produção na fase pós-colheita na América Latina. É um número quase alarmante, se considerarmos em volumes de toneladas. Não há dados exatos sobre o Brasil, mas sabe-se que a quantidade perdida de alimentos é muito alta. Patrícia revela ainda que já se pode contar com equipamentos modernos para irradiação que utilizam a eletricidade para produzir feixes de elétrons e raios-X. Essa tecnologia não depende de uma fonte radioativa de cobalto-60, que é cara, escassa e tem um transporte complexo. Vamos, então, à entrevista:
O que é a irradiação de alimentos e qual é a sua importância?
Dentre as várias técnicas de conservação de alimentos, o tratamento de alimentos com radiação chama a atenção pela simplicidade, eficiência e a capacidade de tratar grandes volumes em pouco tempo. Além disso, evita a adição de produtos químicos. A irradiação de alimentos é uma técnica conhecida há décadas para reduzir patógenos nos alimentos, retardar processos naturais fisiológicos, desinfestar insetos e garantir a segurança fitossanitária para exportação.
Com essas vantagens, as perdas e o desperdício de alimentos é reduzido, pois o alimento pode ser armazenado por mais tempo. O processo é limpo e seguro e os alimentos são expostos à radiação ionizante na sua embalagem final. Os alimentos tratados com radiação são naturais, saudáveis e permanecem frescos por mais tempo.
Onde e em que tipo de produção ela pode ser exercida?
Qualquer região do Brasil tem potencial para se beneficiar do tratamento de alimentos com radiação, podendo complementar o tratamento de produtos sazonais com outros não-sazonais e usar o irradiador não somente para alimentos, mas também outros produtos do setor agropecuário como rações e flores. Um dos trabalhos de consultoria que realizei para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) inclui um relatório sobre os requisitos para instalação de um irradiador multipropósito.
A escolha de local próximo à demanda ou no trajeto do seu escoamento irá contribuir para que o irradiador tenha pleno uso ao longo. Entretanto, para grandes produtores de frutas ou de proteína animal, já se justificaria um irradiador de grande porte conectado à própria linha de produção.
Como o Brasil se posiciona neste mercado? Qual é o tamanho dele?
A área de irradiação de alimentos começou há muitos anos no país e o Brasil tem capacidade técnica para evoluir e entrar no circuito mundial de exportação de alimentos tratados com radiação. Essa modalidade no Brasil ainda não é uma realidade sendo aplicada em pequena escala em irradiadores comerciais multipropósitos. Entretanto, temos centros de pesquisa de excelência com experiência em irradiação de alimento, como a Embrapa, o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/Cnen), entre outros.
Hoje já se pode contar com equipamentos modernos para irradiação que não dependem de uma fonte radioativa de cobalto-60, que é cara, escassa e tem um transporte complexo, mas sim utilizam a eletricidade para produzir feixes de elétrons e raios-X. Este fato aliado ao arcabouço legal já bem estabelecido pela Anvisa, Comissão Nacional de Energia Nuclear e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento torna a irradiação de alimentos mais atrativa para investimentos privados e cooperativas. O Mapa publicou recentemente um modelo de plano de negócios para instalação de um irradiador multipróposito (disponível neste link).
A FAO estima que a perda e o desperdício de alimentos na América Latina gerem em torno de 12% da produção na fase pós-colheita (FAO, 2019). Esta fração seria drasticamente reduzida com o tratamento com radiação, pois os alimentos teriam uma potencial vida de prateleira multiplicada por 3 ou 4. Com relação à exportação, a irradiação evitaria barreiras fitossanitárias por prevenir que cargas brasileiras contivessem patógenos como Salmonela ou infestação de insetos. Além disso, os produtos brasileiros, seriam aceitos em mais mercados exigentes. Um outro dado que deve ser levado em consideração no custo de oportunidade é a competição de outros alimentos irradiados no mercado nacional. Um exemplo é o alho irradiado importado da China, que ganha espaço na preferência nacional.
O tratamento de alimentos com radiação é uma oportunidade para vários setores da economia e uma rede colaborativa com apoio de associações como a Abdan pode contribuir para alavancar o seu desenvolvimento.
Além das frutas, as grandes produções também podem se beneficiar deste tipo de serviço?
Sim, claro. Raízes, bulbos e tubérculos, frutas, verduras, carne, frango, peixe, grãos, ervas e condimentos, alimentos desidratados, flores e outros produtos do setor agropecuário, como rações e opoterápicos, etc.
Que tipo de equipamento é necessário para se fazer a irradiação de alimentos?
Para uma faixa ampla de aplicações, o tratamento de alimentos com radiação é realizado em irradiadores com fontes de radiação de cobalto-60 de alta atividade ou em equipamentos de raios-X potentes. Em certos casos, para tratamento superficial, pode-se utilizar aceleradores de elétrons de até 10 MeV. O cobalto-60 não é produzido no Brasil e tem uma meia-vida de cerca de cinco anos, ou seja, após esse período, sua eficiência é reduzida à metade e requer recarga.
O transporte de fonte é complexo, exige parte marítima e terrestre, além da necessidade de obter autorização específica para importação e para o transporte em si. Mesmo protegida por uma blindagem, o uso da fonte de Co-60 de alta intensidade tem um controle regulatório mais rígido do que os equipamentos de raios-X ou aceleradores de elétrons. Os equipamentos preferencialmente usados são os que dependem apenas de eletricidade, como acelerador de elétrons ou um raio-X, que quando desligados da tomada, param de produzir radiação.
Que países estão atuando neste setor? Quanto gira nossos negócios?
A irradiação de alimentos é uma técnica conhecida há décadas e usada em quase 70 países. É uma realidade em países como Estados Unidos, México, Rússia, Austrália, China e vários da Ásia. Trata-se de uma técnica segura e simples, uma vez que o produto pode ser tratado já na sua embalagem final e nenhuma adição química é realizada. Em 2010, o volume de alimentos tratados para fins fitossanitários era estimado em cerca de dez mil toneladas por ano. Hoje, somente a China irradia mais de um milhão de toneladas por ano.
A entrevista foi publicada originalmente no site Petronotícias.
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Fotos: Divulgação Petronotícias
Fonte: Petronotícias