Governo ‘deve agora tomar decisões imediatas que permitam que o processo comece’
O ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, tornou-se a última figura sênior a pressionar para que Berlim adie a eliminação da energia nuclear. Ele conta com o apoio do grupo industrial Kerntechnik Deutschland (KernD), que conclama aos políticos alemães que ajam com urgência e estabeleçam o curso para a operação contínua das usinas nucleares ainda em operação “o mais rápido possível”.
Lindner, ligado ao menor partido da coalizão, o Partido Democrático Liberal (FDP, na sigla em alemão), alertou que a crise do gás no país pode desencadear uma escassez de eletricidade e, apesar da oposição de seu parceiro verde da coalizão, ele pediu que as usinas nucleares germânicas permaneçam em funcionamento até 2024, dizendo que elas são “seguras e amigas do clima”.
Os apelos para estender a geração nuclear na Alemanha são embaraçosos para os outros dois partidos do governo, os social-democratas de centro-esquerda do chanceler Olaf Scholz e, particularmente, os verdes ambientalistas, do ministro de Assuntos Econômicos e Ação Climática, Robert Habeck. A oposição à energia nuclear é uma pedra angular da identidade dos verdes alemães.
O governo de coalizão que aprovou a lei determinando a eliminação da energia nuclear foi liderado por Gerhard Schröder. O acordo foi alcançado em junho de 2000 e promulgado como lei em 2002.
Em 2010, contudo, o governo da então chanceler Angela Merkel decidiu suspender a eliminação da geração nuclear, mas depois voltou a comprometer o país a abolir a fonte após o acidente de Fukushima-Daiichi, no Japão, em março de 2011.
Os planos de abandono da energia nuclear exigem que os três reatores ainda operacionais da Alemanha – Isar 2, Emsland e Neckarwestheim 2 – sejam desligados no fim deste ano.
O grupo KernD disse que essas três plantas restantes podem continuar operando durante o inverno.
É possível que as unidades possam gerar energia até a primavera, no que é conhecido como “modo de alongamento”, que permite que funcionem com capacidade reduzida, de acordo com o grupo industrial. Dessa forma, os reatores não precisarão de novos carregamentos de combustível e seriam uma alternativa ao gás natural cada vez mais escasso em meio à guerra promovida pela Rússia na Ucrânia.
Pedido para nova leva de combustível
Todavia, o KernD alertou que, em geral, apenas a operação contínua de médio prazo faz sentido, e isso precisaria de um novo carregamento de combustível. Para que novos elementos combustíveis sejam adquiridos até o verão de 2023, os políticos “devem agora tomar decisões imediatas que permitam que esse processo comece”, declarou o grupo industrial. “Sem o pedido rápido de novo combustível, a operação contínua seria limitada a apenas algumas semanas”, completou.
O chanceler Olaf Scholz sugeriu, em julho, que o governo não descarta estender a vida útil das três usinas nucleares restantes do país, enquanto busca melhorar sua segurança energética após a guerra na Ucrânia e ameaças às importações de gás de Berlim.
“O ministro da Economia encomendou um cálculo intensificado do pior cenário. Vamos dar uma olhada nisso”, disse Scholz, no dia 22/07, quando perguntado se o governo planejava adiar o abandono da energia nuclear.
Os comentários de Scholz seguiram um anúncio do Ministério da Economia de que o governo havia solicitado aos fornecedores de energia que fizessem um teste de estresse da rede elétrica da Alemanha para determinar se o fornecimento de energia poderia ser garantido no próximo inverno, mesmo se houver interrupções graves, como o corte do fornecimento de gás natural russo.
Esse teste será realizado sob suposições mais rigorosas do que um teste anterior feito na primavera, disse um porta-voz, acrescentando que seria “finalizado nas próximas semanas”.
O porta-voz adjunto do governo alemão confirmou que os resultados do teste podem justificar a extensão da operação das três usinas nucleares que ainda fornecem eletricidade à matriz germânica.
“Desde o início, a questão das usinas nucleares não foi ideológica para o governo alemão, mas puramente técnica, sendo submetida a análises de especialistas e, agora, novamente, só que em circunstâncias mais rigorosas”, explicou.
Comentário da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN):
A última declaração do porta-voz do Governo da Alemanha, sobre o uso da energia nuclear nunca ter sido pautado pelo viés ideológico, não é verdadeira. Como bem lembra a reportagem do NucNet, em 2010 o governo liderado por Angela Merkel decidiu suspender a eliminação da geração nuclear, decisão que fora tomada quase uma década antes. Contudo, por pressão do Partido Verde, a política e seus aliados voltaram atrás após o acidente de Fukushima-Daiichi. Desde então, foi implantada a política de Energiewende (transição energética), que acarretou em grandes investimentos nas fontes solar e eólica e no abandono progressivo da geração nuclear. Esse programa foi um grande erro estratégico, como abordamos no artigo “A catástrofe energética da Alemanha”.
Leia a notícia original, em inglês, aqui.
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Autor: David Dalton
Foto: Usina nuclear Isar 2, na Alemanha, é uma das três plantas que ainda permanecem operacionais / Cortesia: PreussenElektra
Fonte: NucNet