De olho na construção de novas usinas nucleares no Brasil, que estão previstas nos planos Nacional de Energia (PNE) 2050 e Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031, na retomada de Angra 3, e nos programas Nuclear da Marinha (PNM) e de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), o presidente da Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A (Nuclep), Carlos Henrique Silva Seixas, revelou, à Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), as metas ambiciosas da empresa de aumentar o seu faturamento.
Na entrevista, Seixas abordou os principais desafios e as conquistas à frente do cargo, o diferencial da Nuclep no segmento nuclear, a atuação em outros nichos do mercado, o movimento cada vez maior para classificar a energia nuclear como uma tecnologia verde e a futura tendência de consolidação de pequenos reatores nucleares, os Small Modular Reactors (SMRs), em todo o mundo.
Confira, abaixo, a entrevista com o presidente da Nuclep, Carlos Henrique Silva Seixas.
Quais foram os principais desafios e conquistas desde que o senhor assumiu a presidência da Nuclep?
O grande desafio inicial foi o fato de a empresa não ter contratos, excetuando praticamente apenas um com a Marinha para entrega de equipamentos de submarinos convencionais. A Nuclep foi constituída na década de 1970 com o propósito basicamente de atender ao Programa Nuclear Brasileiro (PNB) e com a paralisação da obra de Angra 3, o Programa parou. Agregamos assim novos mercados para que a empresa ampliasse seu escopo de atuação. Precisamos estudar formas de oferecer preços compatíveis para angariar novos contratos. Por si só, uma empresa estatal é um pouco mais difícil de se gerir, porque os preços ficam mais altos na medida em que há uma série de limitações, controles, procedimentos e licitações que encarecem os custos e aumentam os prazos.
O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, do qual fazíamos parte, previa inicialmente a construção de oito usinas, mas apenas Angra 2 foi feita – agora que Angra 3 está sendo retomada pelo Governo atual. No caso de Angra 1, não participamos da construção, mas da reposição de alguns equipamentos, como do gerador de vapor. Construímos a maioria dos equipamentos de Angra 2 e 3. Estamos prontos para atender às necessidades que surgirem para Angra 3, inclusive temos alguns contratos próximos de serem assinados com a Eletronuclear nesse sentido. Recentemente, entregamos os últimos acumuladores da usina e agora estamos construindo um terceiro condensador – já construímos dois. Estamos aptos também a entrarmos na disputa para instalarmos equipamentos de Angra 3. Temos know-how nessa área.
Atualmente, olhando para a área nuclear, participamos ativamente dos programas Nuclear da Marinha (PNM) e de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê o primeiro submarino de propulsão nuclear do Brasil. Estamos construindo alguns equipamentos estratégicos para o submarino e para o Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (Labgene), que é o protótipo em terra e em escala real do reator que ficará embarcado. Ele é o casco de um submarino que abrigará os equipamentos, a turbina e todo o resto. Atualmente estamos construindo o Bloco 40 do Labgene, que se trata da seção onde será alojado o reator nuclear. É a parte mais importante do Laboratório. Os demais blocos abrigarão eixo, turbina e equipamentos auxiliares. Em 30 de novembro do ano passado, parte do Bloco 40 saiu da Nuclep, em Itaguaí/RJ, chegando a Iperó/SP em 10 de janeiro de 2022. Agora vamos instalar o Bloco 40. A Nuclep tem história com a Marinha do Brasil e é muito importante para o seu Programa Nuclear.
O Prosub visa à construção de quatro submarinos convencionais (motor diesel-elétrico), do primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear e de um complexo de infraestrutura industrial e de apoio à operação das embarcações. De modo geral, qual o papel da Nuclep nesse amplo programa?
A Marinha assinou, em dezembro passado, a Seção de Qualificação do Submarino de Propulsão Nuclear Almirante Álvaro Alberto com a Itaguaí Construções Navais (ICN), que é a empresa criada a partir do acordo governamental entre Brasil e França. Agora, a ICN contrata a Nuclep para fazer a Seção de Qualificação em conjunto. Estamos na fase contratual. Resumindo: a Marinha contrata a ICN por causa do acordo entre Brasil e França, e a ICN nos contrata. A Nuclep já construiu e entregou para a Itaguaí Construções Navais os cascos dos quatro submarinos convencionais Classe Riachuelo, tipo Scorpène. O primeiro deles já está operando, um está em testes na água, um está em fase final de construção e outro está no meio da construção. Portanto, o papel da Nuclep para a construção desses quatro submarinos convencionais já foi encerrado. Falta, agora, iniciarmos a construção do submarino de propulsão nuclear.
Quais outros projetos da área nuclear pode destacar?
Quando o País decidir construir o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), a participação da Nuclep será muito importante, porque somos a única empresa nacional capaz de construir o reator. Não existe, no mercado brasileiro, outra empresa com a capacidade nuclear da Nuclep. A área nuclear ainda não tem demanda contínua e necessita de investimentos pesados. A qualificação é muito grande. A Nuclep tem o selo americano ASME III. Somente quem tem essa certificação pode atuar em Angra 1, porque ela é exigida em equipamentos americanos. Somos uma das duas únicas empresas na América do Sul a ter a qualificação. Para manter o selo, uma equipe americana vem à Nuclep de três em três anos, em média. Esse grupo exige uma série de documentos, faz testes de solda e aprova ou não a renovação. Na nossa última avaliação, fomos aprovados com êxito total. Foi, inclusive, a primeira vez que a Nuclep conseguiu a aprovação com grau máximo. Nesse momento, estamos em processo de renovação da certificação com os auditores na empresa.
O Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 e o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031 preveem novas usinas nucleares para os próximos anos. Qual o papel da Nuclep dentro desses planos?
Eles são a nossa grande expectativa. Na área de geração nucleoelétrica, estão em foco o término da construção de Angra 3, em 2026; o PNE 2050, que prevê a construção de outras usinas nucleares (oito a dez gigawatts) nesse horizonte; e o PDE 2031, que contempla uma nova usina nuclear até 2031 dentro das previsões do PNE 2050. A Nuclep está pronta para atender a essa demanda. Como já mencionei, nosso grande desafio era criar novos contratos. O PNE 2050 e o PDE 2031 nos darão perenidade, com um faturamento nas próximas décadas, e a garantia de manutenção da qualificação do meu pessoal. Antigamente, como a área nuclear brasileira não tinha constância, diversificamos nossas atividades, entrando nos setores de energia, de óleo e gás, de defesa. Teremos muito trabalho e isso será ótimo para a Nuclep! As novas usinas darão o faturamento necessário à existência da empresa, até porque a Nuclep quer se tornar independente do Tesouro Nacional.
Com Angra 3 e nossa inserção no mercado de torres de transmissão de energia e atuação no setor de óleo e gás, em dois anos teremos um faturamento maior do que nosso gasto. O Plano de Negócios da Nuclep mostra isso. Mesmo com a pandemia em alta em 2021, a Nuclep apresentou, pela primeira vez em sua história, superávit. Contudo, trabalhamos intensamente para surpreender e melhorar o faturamento. Atuamos em diversas áreas, mas não tenho a menor dúvida que a expertise da Nuclep é a nuclear. Um soldador de estaleiro de excelente qualidade levará de seis a oito meses para aprender a fazer uma solda nuclear, porque é algo muito específico. Não é qualquer soldador que consegue fazer isso. A qualificação de um soldador nuclear é enorme, tanto que precisa ser sempre requalificado para manter o nível. Justamente por isso, a Nuclep é muito procurada por empresas para fazer soldas. Eu diria que, em relação ao mercado brasileiro e internacional, o grande diferencial da Nuclep é a soldagem e a caldeiraria.
Os pequenos reatores nucleares modulares (SMRs) estão em alta no mundo. Em sua visão, o Labgene e o submarino nuclear darão uma boa experiência para o Brasil nesse campo?
Sim. Tanto o Labgene quanto o submarino de propulsão nuclear terão SMRs. A Nuclep domina a tecnologia para construir esses reatores, que podem ser espalhados para diversas cidades. Eles podem ser úteis para locais remotos. Esses reatores são mais baratos e a instalação é bem menos complexa que a de grandes reatores. Acho que é uma tendência incluir SMRs no âmbito do PNE 2050. O mundo está olhando para isso e não vejo como o Brasil ficar fora dessa tendência. Não adianta importarmos tudo, porque temos que gerar empregos em nosso País. Isso não pode ser esquecido! Os pequenos reatores poderão fomentar a formação profissional e a geração de empregos e riquezas dentro do Brasil.
Aproveitando que o senhor mencionou o RMB, a Nuclep já atua nesse projeto?
O projeto detalhado do RMB está concluído e agora falta iniciar a construção. A Nuclep estará pronta para participar dessa etapa assim que for requisitada. A Nuclep não tem um contrato firmado no escopo do RMB, mas se coloca à disposição; temos acompanhado a situação do empreendimento. É uma obra que vai gerar emprego, tecnologia, manutenção da qualificação dos meus funcionários e terá uma utilização para atender quem precisa de radiofármacos. A permeabilidade é muito grande. É um projeto de arraste tecnológico e de geração de emprego. O polo nuclear de Iperó será fantástico.
Qual a importância do movimento na União Europeia de incluir a energia nuclear na taxonomia verde e da COP-26, ocorrida na Escócia no fim de 2021, ter abordado, com destaque, a energia nuclear?
O mundo está mostrando que a energia nuclear é limpa e verde. O Brasil precisará de indústria para voltar a crescer. Para ter mais indústrias, o País precisa de energia. A energia nuclear, portanto, é fundamental. O Brasil ainda não esgotou seu potencial hidrelétrico, mas a construção desse tipo de usina está cada vez mais difícil por causa das condicionantes ambientais. Temos que aproveitar as energias nuclear, solar e eólica. Todas as fontes são importantes, mas a nuclear é única de base. O setor nuclear brasileiro, inclusive, não deve nada a nenhum no mundo. Os trabalhadores são muito qualificados, temos a matéria-prima (urânio) disponível em nosso território e dominamos a tecnologia do ciclo do combustível. Agora é só aumentar a fatia da energia nuclear em nossa matriz.
Como enxerga a parceria da Nuclep com a Aben?
É muito importante, porque tudo o que envolve o setor nuclear ainda é pouco comentado. Acho que a Nuclep pode, junto com a Aben, tentar melhorar a divulgação da área nuclear, desmistificando a tecnologia. Cabe a todo o setor nuclear se unir e usar ainda mais os meios de comunicação para difundir para a sociedade que a energia nuclear é limpa, verde, não traz risco para o cidadão e é boa, sobretudo porque temos matéria-prima, recursos humanos e tecnologia. Além disso, gera empregos. Existem inúmeras aplicações da energia nuclear. Juntos somos mais fortes!
Fotos: Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A (Nuclep)